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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Ah se ousássemos (!)


Ainda que dentro de mim as águas apodreçam e se encham de lama, e ventos ocasionais depositem peixes mortos pelas margens, e todos os avisos se façam presentes nas asas das borboletas e nas folhas dos plátanos - que devem estar perdendo as folhas lá bem ao sul - e ainda que você me sacuda e diga que me ama e que precisa de mim; ainda assim não sentirei o cheiro podre das águas, e meus pés não se sujarão na lama, e meus olhos não verão as carcaças entreabertas em vermes nas margens; ainda assim eu matarei as borboletas e cuspirei nas folhas amareladas dos plátanos e afastarei você com o gesto mais duro que conseguir e direi duramente que seu amor não me toca nem comove e que sua precisão de mim não passa de fome e que você me devoraria como eu devoraria você, ah se ousássemos !


Caio Fernando Abreu

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